Trabalho de professora e aluna no Museu Mariano Procópio mostra que itens como roupas e cadeiras, feitos especificamente para crianças, são produtos recentes.
“O que sabemos sobre como era a infância há mais de 100 anos no Brasil?” Foi com esta pergunta-chave que a pesquisadora e professora Andrea Lomeu Portela resolveu aprofundar, estudar e entender melhor os registros existentes sobre crianças no acervo do Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora.
Como o público infantil tem sido o mais presente na instituição, Andrea quis pensar a representatividade da infância no espaço, que por muito tempo foi apagada. Somente em 2019, segundo a assessoria do Museu, foram 200 grupos de visitas guiadas, somando 7.230 pessoas visitantes até novembro, sendo a maioria grupos de crianças em idades escolares.
O trabalho de iniciação científica em Design de Moda do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF) contou também com a pesquisa da aluna Sylvia Cotta Pimenta. Juntas, elas descobriram a única indumentária infantil do Museu Mariano Procópio: um conjunto de duas peças de uniforme de banda, de veludo azul, que pertenceu a um menino de aproximadamente cinco anos de idade. A roupa data de 1907.
Roupa de criança é de 1907 e estava no arquivo do Museu Mariano Procópio — Foto: Vinícius Ribeiro/Prefeitura de Juiz de Fora
A roupa foi encontrada após a pesquisadora descobrir uma foto no acervo do museu em que mostra uma banda que se apresentou em frente a Prefeitura de Juiz de Fora.
A hipótese trabalhada por Andrea é que as pessoas retratadas na fotografia sejam pertencentes a Banda Lyra Guarani, originária de Campos dos Goytacazes (RJ) e fundada em 1893. A criança, que aparece no centro da foto, seria uma espécie de mascote dos músicos (veja abaixo).
A partir da foto e do encontro da indumentária, Andrea e Sylvia realizaram uma busca pela biografia do objeto, que se tornou um método de pesquisa.
“Podemos perguntar, tentar levantar questões em cima da roupa. Quando você utiliza a forma de pesquisa biográfica com uma pessoa, você pode recortar um momento da vida dela. Com o objeto é diferente, ele tem a forma de contar a história de maneira contínua. A pessoa pode doar o objeto, participar de um arquivo histórico, a história dele segue de outras formas.”, reforçou a professora.
Andrea considera muito importante a descoberta e a análise da roupa infantil encontrada. Nos registros da peça, o tecido estava identificado como casimira, e após os trabalhos, foi constatado que na verdade era veludo. Um dos outros pontos percebidos foi o espaço de prestígio ocupado pelas bandas.
“A importância das bandas, principalmente no interior do país no final do século XIX e início do século XX, mostra que estas apresentações, muitas vezes, eram o único espetáculo cultural que essas pessoas tinham contato. Percebe-se que os uniformes dos músicos se assemelham aos uniformes dos militares, o que no Brasil era uma questão de status.”, explicou Andrea.
Retrato da Banda Lyra Guarani, no início do século XX, em Juiz de Fora — Foto: Vinícius Ribeiro/Prefeitura de Juiz de Fora
Imaginário sobre a infância
A pesquisadora esclareceu que o conceito que se tem sobre criança é muito recente.
“Ele se firma mesmo no século XIX. A categoria de roupa infantil só existe no final deste século, assim como objetos que são categorizados desta forma”.
Segundo Andrea, o imaginário sobre a infância veio da mesma forma que outros fatores de divisões sociais que ocorreram no final do século XIX: para aumentar o consumo com a venda de novos produtos, foram estabelecidas divisões entre classes, como patrão e empregados e, por fim, entre o adulto e a criança.
Além do conjunto, outro objeto encontrado no Museu Mariano Procópio foi uma cadeira infantil. De acordo com a pesquisadora, o móvel tem um design específico do início do século XX e é uma das primeiras cadeiras feitas especificamente para crianças no Brasil.
Cadeira de madeira que tem design específico para crianças foi encontrada no acervo do Museu Mariano Procópio — Foto: Vinícius Ribeiro/Prefeitura de Juiz de Fora
“Fizemos um levantamento de tudo o que tem relacionado a crianças no museu e foram os itens que encontramos. Existe uma vestimenta de Dom Pedro II, quando ela já tinha 15 anos, mas já representa a maioridade”, contou Andrea.